O ano de 2020 foi atípico em função da pandemia mundial do Coronavírus COVID 19. Muitas empresas precisaram fechar as portas, o trabalho presencial abriu espaço para o home office, muito utilizado em países europeus. No entanto, algumas empresas já retomaram suas atividades, porém muitas dúvidas surgiram e surgem ao longo do tempo em função do “novo normal”. Pensando nisso, convidei a Dra. Helena Espindola Argenti, advogada e sócia do escritório Argenti Tavares Advocacia, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela FEMARGS e Mestranda em Direito Internacional Público pela Universidade de Oslo, na Noruega.
Compilamos algumas perguntas e respostas para sanar dúvidas a respeito da retomada pós-pandemia: empregador x empregado – o que muda?
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Retomada pós-pandemia: empregador x empregado – o que muda?
Maiara – Como o empregador deve proceder na retomada? Como deve ser realizada a comunicação para o empregado?
Helena – O empregador pode requerer a qualquer momento que o empregado retorne ao seu posto de trabalho. Para isso, o empregador deve notificar formalmente o empregado (pode ser de forma eletrônica como, por exemplo, e-mail) para que retome ao seu posto de trabalho no prazo de dois dias a partir da comunicação.
Todas as obrigações contratuais estabelecidas antes da pandemia retomam o seu curso, normalmente. Assim, por exemplo, se empregador não pagou o vale-transporte porque o empregado estava em home office, deve o empregador voltar a pagar tal parcela quando do retorno do funcionário ao trabalho na sede da empresa.
Maiara – Sabemos que têm empresas que já retomaram as suas atividades. Quais cuidados e medidas de segurança elas precisam tomar para manter o grupo de colaboradores e clientes seguros?
Helena – A empresa tem a obrigação de assegurar um meio ambiente de trabalho seguro. Não há lei federal estabelecendo quais providências o empregador tem que tomar para assegurar um meio ambiente saudável, mas o empregador deve verificar se há algum decreto municipal ou estadual ditando algo sobre o assunto.
Entretanto, ainda que não haja nenhuma determinação legal, sempre aconselho meus clientes a tomarem as seguintes medidas:
– Uso obrigatório de máscaras no ambiente de trabalho;
– Disponibilização de álcool em gel 70%;
– Medir a temperatura dos funcionários antes de entrarem no ambiente de trabalho;
– Realizar rodízio de funcionários e flexibilizar horários para evitar aglomerações;
– Manter distanciamento de, no mínimo, 2 metros entre os postos de trabalho e no atendimento à clientes;
– Barreiras físicas (plástico transparente) entre os postos de trabalho e entre funcionários e clientes;
– Limpeza constante do meio ambiente de trabalho com álcool em gel.
Outra orientação que considero fundamental, é a necessidade de documentação de todas as medidas de prevenção tomadas pelo empregador para manter o meio ambiente de trabalho seguro. Dessa forma, caso o empregado alegue que adquiriu COVID19 no local de trabalho, o empregador terá essa documentação para rebater tal argumento e provar que adotou todos os cuidados para preservar a saúde de seus funcionários.
Ressalte-se que a contaminação pode ocorrer em casa; no deslocamento residência x trabalho e vice-versa; nos mais variados estabelecimentos comerciais; e no ambiente de trabalho.
Maiara – Se o empregado contrair COVID19 no trabalho, isso pode ser considerado doença do trabalho/acidente do trabalho e gerar estabilidade de um ano?
Helena – Todo empregado que sofre um acidente no trabalho, ou adquire uma doença relacionada ao trabalho, tem direito ao auxílio-doença pago pela Previdência e a uma estabilidade no emprego de um ano.
Com a COVID19, passou-se a discutir se, caso o empregado contraísse tal doença no trabalho, teria direito ao auxílio-doença acidentário e a estabilidade de um ano.
A MP 927 dizia que o COVID19 não tinha cunho ocupacional (não era doença do trabalho), ou seja, caso o empregado a adquirisse, não teria direito ao auxílio-doença acidentário e a estabilidade de um ano, salvo se comprovasse que contraiu a doença no local de trabalho.
Porém, com a perda de eficácia da MP 927, restou a dúvida sobre a caracterização, ou não, de doença do trabalho (e consequente estabilidade de um ano) do empregado que está trabalhando e adquire COVID19 (se o empregado está em home office, não se considera doença do trabalho).
Ainda não há lei dispondo a respeito do assunto, e a situação é muito recente para saber como os Tribunais irão se posicionar. Porém, o que se pode adiantar é que, caso o empregador consiga comprovar que tomou todas as medidas de prevenção, não restará caracterizado, a priori, doença do trabalho. A contrario sensu, caso o empregado comprove que adquiriu a doença no ambiente de trabalho, essa será considerada doença do trabalho e ele fará jus ao auxílio-doença e a estabilidade de um ano.
Maiara – Como ficam as medidas contratuais que foram estabelecidas no início da pandemia? Elas seguem vigorando?
Helena – A MP 927 estabeleceu uma série de medidas que afetaram as relações de trabalho, entre elas: possibilidade de antecipar férias e feriados; compensação de jornada, redução e suspensão do contrato de trabalho.
Porém, a MP 927 perdeu sua eficácia. Assim, tudo o que havia sido previsto na MP não mais pode ser aplicado, porém considera-se válido o que ficou estabelecido enquanto tal medida vigorou.
Porém, a MP 936, hoje convertida na Lei 14.020/20, manteve a possibilidade de redução e suspensão do contrato de trabalho até 31/12/2020. Logo, aqueles contratos que foram reduzidos ou suspensos permanecem valendo até o final desse ano.
Maiara – Se o empregador adotou alguma das medidas estabelecidas na MP 936, que permitia a redução ou suspensão da jornada de trabalho do contrato de trabalho durante a pandemia, como fica após o retorno?
Helena – Quando os empregados que tiveram seus contratos suspensos ou reduzidos retornarem aos postos de trabalho, esses terão todos os direitos e condições reestabelecidos como eram antes da pandemia. Assim, por exemplo, se o empregado tinha direito ao adicional de insalubridade antes da suspensão/redução do contrato, voltará a ter direito a tal adicional, quando seu contrato de trabalho retornar à normalidade.
A dúvida entre os empregadores surge quando se fala em 13º salário e férias.
Em relação ao 13º salário e jornada reduzida, o benefício será calculado com base na remuneração integral do empregado (aquela concedida antes da redução), sem influência das reduções de jornadas de trabalho (ainda que em dezembro o funcionário esteja recebendo salário menor em razão da jornada reduzida). No caso dos contratos suspensos, o período em que o empregado não trabalhou, não será computado para o cálculo de 13º salário, logo seu benefício natalino será menor que o valor integral de seu salário.
Em relação às férias, a jornada reduzida não impacta no pagamento das férias com 1/3, pois tal parcelas serão calculadas considerando o mês de gozo das férias. Assim, basta o funcionário ter trabalhado 12 meses, ainda que em jornada reduzida, para fazer jus às férias de forma integral.
Já no que diz respeito às férias em contratos suspensos, a regra é diferente. Os meses em que o contrato ficou suspenso, não serão considerados para o computo das férias. Assim, o empregado terá direito às férias somente após trabalhar, efetivamente, 12 meses. Logo, se o contrato de trabalho ficou suspenso, o empregado, mesmo após 12 meses de contrato, não terá adquirido o direito de férias, pois o período suspenso não é considerado.
Importante lembrar que todos os empregados que tiverem seus contratos reduzidos ou suspensos, tem direito à estabilidade quando retornarem aos postos normais de trabalho. O período da estabilidade será igual ao tempo em que o funcionário ficou com o contrato suspenso ou reduzido. Caso o empregador queira demitir seu funcionário, terá que pagar uma indenização em razão do direito à estabilidade.
Maiara – O que fazer em casos de resistência do empregado quanto ao retorno? Seria considerado demissão por justa causa?
Helena – O empregado que teve o seu contrato de trabalho suspenso ou reduzido, não pode se recusar a retornar ao trabalho presencial. A única exigência é que a determinação de retorno ao trabalho seja comunicada ao trabalhador no prazo de dois dias.
Caso o empregado se recuse a voltar ao posto de trabalho, o empregador poderá demiti-lo, salvo se o empregado comprovar que faz parte do grupo de risco ou que há risco à sua vida, comprovado mediante atestado médico.
Em relação ao tipo de demissão, há discussão se essa seria com ou sem justa causa. Os Tribunais ainda não têm uma posição concreta a respeito do assunto. Caso o empregado não seja do grupo de risco ou não justifique a sua impossibilidade de retorno ao trabalho, minha orientação é que primeiro a empresa aplique uma advertência; posteriormente, uma suspensão e, se mesmo assim o empregado não retornar ao trabalho, demitir por justa causa.
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Helena Espindola Argenti, bacharel pela Universidade Ritter dos Reis, advogada portadora da OAB/RS 82.906; pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela FEMARGS (Fundação Escola de Magistratura do Rio Grande do Sul); mestranda na Universidade de Oslo/Noruega (Direito Internacional Público); sócia do escritório Argenti Tavares Adv. Atual ramo de atuação: consultivo trabalhista e empresarial (mas atuamos também no litigioso caso necessário).